Fazia algum tempo que não proporcionava ao Tatá brincadeiras com tintas comestíveis. É tão fácil e barato que nada justifica a ausência de atividades como esta.
Só a ação de mexer na tinta já é suficiente. Não há necessidade de pintar algo toda vez que se brinca com tintas, entretanto resolvi colocar como fundo um tecido branco e alguns carrinhos para ver se o Tatá fazia conexões de possibilidades das pinceladas se tornarem diferentes utilizando os pequenos brinquedos. Infelizmente acho que o baby está um pouco “condicionado”, pois fez questão da presença de um pincel.
Separei tudo, deixando à sua disposição para iniciar a brincadeira como bem desejasse. Logo foi dando as primeiras pinceladas e o fundo branco começou a ganhar algumas cores.
Como estamos no inverno, todo momento que dá para brincar ao sol e somente de camiseta, é bem vindo. Nada como dar pinceladas diante da natureza.
São esses momentos sensoriais de pura entrega, e sem nenhuma obrigação, que as maiores inspirações acontecem. As crianças necessitam de momentos simples na sua rotina, afinal tudo é muito corrido, a cidade é uma agitação, os compromissos não perdoam, a maturidade é exigida, os comportamentos são analisados, enfim, moramos num planeta que passa atualmente por uma fase de muitas cobranças e poucas contemplações. Se nossa vida de adulto é assim, paciência, já fomos contaminados e dificilmente sairemos dessa, mas temos a possibilidade como pais educadores de frear essa maluquice na vida dos pequenos. Tudo ao seu tempo. A infância ao seu tempo! Por isso estou sempre pensando e consequentemente escolhendo para o Tatá momentos que possam deixá-lo inteiro com seu estado de criança.
Visão lateral, visão ampla vai sendo adquirida aos poucos, o Tatá tinha disponível quatro cantos para pintar, mas se limitou apenas aos dois mais próximos. Mesmo depois de um bom tempo, quando anunciei a possibilidade de virar de costas para dar continuidade na sua pintura ele preferiu ficar no mesmo local. Não insisti, porque obviamente chegará o momento das descobertas maiores. Lembro que em certa ocasião, acompanhei uma criança de aproximadamente quatro anos pintando um papel kraft (de três metros por três metros) paisagens inteiras e cheio de detalhes. Fiquei impressionada, mas sabia de seu histórico com a arte. Para se chegar longe começa do pequeno. Assim é o processo natural. Mas somente quando se percorre cada pedaço do caminho, com entrega e concentração, que se torna possível ganhar o próximo passo. Se formos atropelar as crianças nas suas descobertas estamos prejudicando o processo e atrapalhando sua apreensão do mundo.
Misturar as tintas é com o Tatá, sempre gostou disso e acho que sempre amará ver as metamorfoses acontecendo, seja onde forem, seja da forma que forem.
Em muitas brincadeiras fico em silêncio, só observando e não atrapalhando. Isso é muito importante, afinal uma criança só aprende a se concentrar, se é permitido que tal ação aconteça. Se o tempo todo chamamos sua atenção, ficamos corrigindo, ficamos tocando-a, ficamos interpretando, classificando, querendo viver por ela o momento, então não permitimos que a própria criança esteja por inteiro em sua ação, visão, paladar, audição, enfim, não tenha a oportunidade de apreender com todos seus instrumentos físicos e emocionais a vivência de que participa.
De repente o Tatá pegou a “kombi do vô” e começou a brincar, pensei: hum se ele fizer uma trilha com o carrinho vai perceber as pinceladas diferentes e talvez tenha o interesse em experimentar novas formas de pintura.
Mas nada disso aconteceu. Então tá! Quem disse que as crianças devem agir conforme nossos desejos e pensamentos?
O que ele fez foi: ao invés de colocar o pincel na tinta, colocou a tinta no pincel! E voltou a pintar o pano.
Depois que brincou bastante, me pediu água. A proposta inicial não era essa, e a pintura corria o risco de desaparecer com o balde de água. Mas a questão é: quem deseja um produto final? O adulto ou a criança?
O Tatá continuou na sua brincadeira sensorial com mais este elemento aquoso. E ali ficou até o sol ir embora por inteiro naquele pequeno pedaço de quintal.
Por fim a kombi, e os outros carrinhos, receberam um bom banho de água.
O tecido ficou molhado e a ideia de pendurar no castelo da sala foi literalmente por água abaixo. Mas o baby e a mamãe tomaram um delicioso banho de sol e se divertiram bastante, então porque não mamãe?
Recado para o Tatá: Meu amor, posso até parecer permissiva demais, mas o que permito de verdade é que você se descubra e explore o mundo. A vida adulta traz tantas limitações, não quero que sofras desses limites desde tenra idade. Usufrua o mundo, só assim você fará parte dele integralmente e saberá respeitá-lo como deve ser. Te amo.